sábado, 24 de janeiro de 2009

Recessão - entre a Globalização e a Governabilidade

"(...) Os condicionalismos internacionais e europeus impõem às governações nacionais, mais do que nunca, regras de funcionamento, benefícios e desvantagens que, para o bem e para o mal, orientam e definem as linhas gerais de uma capacidade de gestão das economias e, consequentemente, das sociedades que se encontram sujeitas às ordens jurídicas das organizações a que pertencem. Fica, claro está, no quadro pró-federalizante da União Europeia a que todos os Estados-membros aderiram conscientemente, no âmbito da responsabilidade nacional, a orientação política (escolhida pelos eleitores em sufrágio directo) que irá determinar o impacto social das medidas adoptadas para a execução das políticas económicas, devidamente enquadradas nos termos do Direito Comunitário e Internacional.

O corte de gás da Rússia à União Europeia é um exemplo maior do grau de complexidade que a globalização introduziu nas governações nacionais e a exigência europeia relativamente ao seu rápido restabelecimento mostra bem como a dependência e a correlativa tensão relacional entre os Estados requer hoje um sentido de responsabilidade elevadíssimo de modo a acautelar a emergência de conflitos e a garantir, pelo menos, o equilíbrio possível na distribuição dos recursos, no quadro da actual rede de interdependências internacional. Outro exemplo maior do problema é o da crise do banco Lehmann Brothers que, a partir dos Estados Unidos, despoletou a crise financeira que afectou, sistemicamente, o sistema bancário mundial… a crise, de efeitos desconhecidos, colocou os Governos perante cenários que, relativamente previsíveis, requerem, perante os factos, respostas imediatas…(...) Em Portugal, a recessão, agora já declarada, assumida e explicada oficialmente, agrava de forma inequívoca os problemas gravissímos da economia nacional que, de há muito, se debate com duas realidades estruturais: a deficiente capacidade produtiva nacional e o endividamento externo.(...) Gerir condicionalismos globais e europeus na economia nacional, recorrendo a alguma razoabilidade possível no que respeita à preocupação de não agravar desigualdades sociais e evitar a completa ruptura da economia nacional (...) é caso para perguntar se o facto do Governo português ter dado aval às instituições financeiras será tão criticável como todos parecem empenhados em afirmar, quando sabemos, na sequência do que aconteceu com o já referido caso Lehmann Brothers, que a falência de um banco pode provocar derrocadas dos sistemas financeiros… na verdade, como disse José Sócrates na entrevista televisiva desta semana, seria uma irresponsabilidade arriscar a falência de um banco numa economia tão frágil como é a economia portuguesa… mesmo tratando-se de casos complicados como é o BPN ou o BPP porque não conhecemos, além dos que mediaticamente e por más razões são protagonistas de suspeitas e acusações nos são dados a conhecer, outros accionistas cujos volumes de negócios poderiam afectar sectores relevantes da economia nacional. Claro que nada disto será suficiente para evitar a crise mas, até agora, o que os parceiros europeus têm vindo a fazer é tentar evitar danos maiores e previsíveis… porque o fim desta crise não está à vista e não podemos ter certezas sobre o que o futuro próximo nos trará… e, sendo verdade que não considero ter havido precaução na avaliação da transparência financeira dos movimentos bancários relativamente aos quais os diferentes Estados deram o seu aval, procurando evitar falências de efeito dominó, o facto é que a crise, tal como se declarou, exigiu actuação rápida… e, tal como em Portugal, considerando que os governantes não são são destituídos de sentido de responsabilidade, esta medida foi o que, no imediato, foi consensual adoptar para evitar, talvez!, que a deflação (...) se instalasse.(...)

(...) Quanto ao papel do reforço das economias locais e regionais para efeitos de sobrevivência das populações e salvaguarda revitalizada dos territórios nacionais, esse é um problema que a União Europeia ainda não encara com a seriedade política que vai ser indispensável no curto ou no médio prazo -depende dos critérios políticos que a política internacional reconheça aos custos sociais da crise e do novo paradigma de regulação económico-política e social que os tempos que vivemos tiverem a coragem de adoptar… mas, lá chegaremos!… sempre com o olhar crítico e justo dos cidadãos empenhados em não permitir a derrocada da democracia."

(Excertos do meu artigo "Governabilidade, Globalização e Recessão", publicado no Diário do Sul em 21 de Janeiro de 2009)

2 comentários:

  1. Na sequência do seu artigo nunca será demais relembrar o quão necessária é a distinção entre: “racionalidade soberana”que é por si mesma desatenta à finitude e, por outro lado, “apodicidade da razão” que não precisa de se justificar. A distinção permite-me remontar à racionalidade filosófica desde a Política de Aristóteles (o zoon logon ekon) sob a qual fomos assistindo ao crescimento duma concepção de sujeito definido em termos de poder. Neste contexto, tudo o que apresenta no seu interessante artigo vem como consequência deste pensamento... E, mais grave é, em pleno séc. XXI, que não estejamos já perante uma outra concepção de sujeito. Uma posição em que o sujeito estaria na posição de acusativo diante de uma fragilidade orientadora da passagem do movimento do pensamento de…ao pensamento para....
    Cintando E. Lévinas (in, Totalidade e Infinito): “ (…) não sou eu que sou responsável, é o outro, é o outro em mim que me torna responsável”.

    ResponderEliminar
  2. Na verdade, seria de esperar que, em pleno século XXI, as condições e interacções socio-culturais tivessem permitido que, ao nível cognitivo, os processos de construção identitária tivessem já integrado essa outra dimensão que é a "alteridade" - fundamental para o exercício do "pensamento para"... obrigado pelo comentário... e pela citação! Volte sempre!

    ResponderEliminar