terça-feira, 2 de junho de 2009

Uma Ordem Medieval...


Nos tempos que correm, troca-se a embalagem pelo conteúdo e a imagem pelo significado... ou, talvez não nos tempos que correm porque, provavelmente, foi essa a tendência dominante ao longo dos tempos. Se assim não fosse, que sentido teriam as palavras e as reflexões dos filósofos da Antiga Grécia que, na senda da construção da racionalidade, insistiram na oposição entre "aparência" e "verdade"?! De facto, a forma emotiva que caracteriza a expressão do Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, não é comum na sociedade portuguesa onde as meias-verdades, o "politicamente correcto", o discurso de circunstância e a ambiguidade são recurso corrente para uma auto-defesa sempre presente, na expectativa de um provável retorno do que se diz, evitando sempre a frontalidade. É aliás esta a forma de actuação inerente às redes de dependência que, noutros tempos, salvaguardavam e preservavam vassalagens geridas em nome do que hoje se ousa chamar, a "berlusconização" do poder. Faz, por isso, sentido que Marinho Pinto qualifique como medieval, a Ordem de que é Bastonário... e se muito do que afirma pode sustentar a discussão "inter pares", facto é que, ao contrário de muitos, Marinho Pinto não defende incondicionalmente o corporativismo da classe em que reconhece os reflexos da sociedade que temos: defesa de interesses próprios, lobbies, ilegalidades, perversões de princípios, dependências, negócios, falta de transparência e até criminalidade... porque não seria verdadeira esta versão desta realidade específica se dela vamos tendo sinais, de quando em quando, na comunicação social, se é voz corrente entre a opinião pública e se é impossível manter a imunidade de uma instituição no quadro complexo de uma mentalidade cultural assente no inter-conhecimento? De facto, para além das influências político-partidárias dos seus orgãos que a essa lógica social também não escapam, que fundamento razoável pode ter a exigência de que Marinho Pinto deve acusar pessoas, para ser credível? A investigação das suspeitas, sabe-se!, pertence ao Ministério Público e não ao exercício da delação, instrumento de recurso dos regimes anti-democráticos que, in extremis, tiveram o seu máximo expoente na Inquisição... Marinho Pinto é um homem corajoso, dotado de boas intenções e consciência democrática, intrinsecamente convicto das competências de um Estado de Direito que deve merecer a confiança dos cidadãos. Por interferir com "interesses instalados" e ser incómodo para os que usufruem do actual estado de promiscuidade das esferas da política e dos negócios, é alvo da reacção extremada de muitos... contudo, reconheçam-se as razões de Marinho Pinto que salvaguardam o interesse público, mais do que estamos habituados a ver defender com a contundência com que o faz... Marinho Pinto faz bem à democracia portuguesa!... e credibiliza a advocacia e a classe aos olhos dos cidadãos, ao contrário do que pretendem fazer crer os que lhe declararam guerra.

6 comentários:

  1. Cara Ana P. Fitas:

    Curiosamente ontem também me ficou no pensamento “uma ordem medieval”.. Entretanto quando reflecti sobre a sua enunciação sobre “aparência” e “verdade”, a propósito do espectáculo de ontem, acabei por considerar que é tão grave como a conhecida distinção entre “validade” e “veracidade”.. Aplicando isto à luz dos debates que se têm assistido verifica-se que é possível fazer todas as “patranhas” que permitam verificar a concordância do que se enuncia com os factos - apenas na sua estrutura formal (a validade).. Neste contexto, recorrendo (por exemplo) ao Modus Ponens exemplifico o ridículo do que se pode fazer:

    1- Se o bastonário não defende as regalias advogados, então tem de se demitir.
    2- O bastonário não defende as regalias advogados.
    Tem de se demitir.

    Ora, daqui onde é que há espaço para a “veracidade”?! Lá dizia Platão que o "conhecimento" era como “uma opinião verdadeira com logos”. Mal o menos, antes a Ordem dos Advogados fosse Medieval – sempre teria capacidade para pensar sobre o que Tomás de Aquino considerava "verdade" (correspondência ou adequação)... Abraço.

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  2. Excelente, Jeune Dame... Muito bom argumento!... Abraço.

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  3. Uma correcção:

    1- Se o bastonário não defende as regalias -dos- advogados, então tem de se demitir.
    2- O bastonário não defende as regalias -dos- advogados.
    Tem de se demitir.

    Ainda vêm falar de um direito de primazia?! Até fazem lembrar aquele provérbio:"Justiça, mas não na minha casa". Obrigada, abraço.

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  4. Eu percebi o lapso, Jeune Dame mas, A Nossa Candeia agradece o cuidado da correcção... que, além do mais, valeu bem a pena porque gostei muito do corolário: "«Justiça, mas não na minha casa»! Um abraço.

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  5. Marinho Pinto é a desordem. A não convenção. O puto mal educado. Num país onde aprendemos a não dizer a verdade desde a tenra idade porque temos de ser educados e não vá alguém ficar ofendido. Num país onde aprendemos a comportar-nos de forma discreta para não fazer muito barulho. Num país onde não podeíamos interpelar o outro, quando "superior a nós, na escala soial" sem que nos fosse permitido, Marinho Pinto, este sim é uma pedrada no charco.
    Diz aquilo que muitos pensam mas não são capazes de dizer, por medo, por oportunismo, por preguiça.
    Perdoem-me a expressão mas um filho da mãe é um filho da mãe mesmo com punhos de renda e perfume charment atrás da orelhas.
    Não há nenhum português que não diga gostar da verdade, das pessoas frontais e rectas. Pois bem, frontal, temos homem, recto, não sei e verdadeiro também não. Mas temos um começo, o que é bom.

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  6. Obrigado, MR... pelas palavras certeiras necessárias a um "país onde aprendemos a comportar-nos de forma discreta para não fazer muito barulho..."... e sim, claro!, Marinho Pinto "é uma pedrada no charco." Abraço.

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