sábado, 8 de agosto de 2009

A arte e a alma de um povo...

Há figuras assim, incontornáveis... com linguagens próprias, únicas como uma pele... Raul Solnado foi assim... conheci-o com 5 anos, nos ecrãs da televisão a preto e branco, num programa chamado "Zip-Zip"...

(este genérico foi retirado do YouTube onde se pode ler que terá sido transmitido apenas uma vez porque o Major Baptista Rosa, decisivo para a transmissão do programa quando corria o ano de 1969, abandonou a equipa... manteve-se o símbolo do Zip-Zip, o boneco mais giro do Portugal triste de então)
... e foi no Zip-Zip que ouvi a mais fabulosa rábula sobre a guerra... a Guerra Colonial de que, à época, se não podia falar e que trazia no seu âmago duras realidades, essas sim, indizíveis como só as dores das mães e das mulheres sabiam reconhecer na partida e na ausência dos filhos da terra, meninos arrancados à vida rural de um país pobre que nunca tinha férias ou viajava... meninos que iam perder a inocência para uma guerra que não era a sua e de que nunca voltariam intactos. Raul Solnado disse tudo isso... num tempo em que, repito, se não podia falar. Pela coragem e pela arte de uma vida que se tornou parte da alma de um povo, obrigado Raul!


... foi preciso ainda um bom par de anos até que eu pudesse perceber a rábula de Raul Solnado, intitulada "A Guerra de 1908"... foi preciso ter encontrado meninas que se queixavam de não saber notícias dos irmãos que tinham ido para a guerra e visse procissões de mulheres que faziam promessas para que os soldados voltassem bem, inteiros e com saúde... foi preciso ouvir com atenção as mensagens de Natal e Ano Novo que os "rapazes" portugueses debitavam com coragem, rapidamente, aos microfones da televisão, a garantir às famílias enlutadas na alma que estavam vivos ainda que longe, no meio da mata - uma mata que o Zeca Afonso cantou e disse tão bem, na sua imortal canção com o mesmo nome... foi preciso o 25 de Abril!... para que eu, então já com 10 anos, percebesse a alegria incontida das pessoas com o fim da guerra... só depois, quando voltei a ver Raul Solnado na televisão e recordei a sua rábula, compreendi a sua inesquecível grandeza! ... Ao Raul, a minha sentida e sincera homenagem!

6 comentários:

  1. Ana Paula Fitas

    Parece que tenho as imagens da expressão do Raúl Solnado gravadas dentro da minha cabeça, como se estivesse a ver ao mesmo tempo que ouço a montagem do Youtube. Quanto me ri com essa rábula, num tempo em que "ir à guerra" era quase "vulgar".
    Essa é a cena que melhor me lembro, mas com quantas outras não me ri, inclusive numa peça há poucos anos aqui em Famalicão.

    Foi um excelente Homem, um excelente actor e comediante. Junto-me a si na homenagem sentida.

    ResponderEliminar
  2. Jeune Dame,
    Penso que todos os artistas sentem e expressam a despedida, sentida, com este «Adieu». Obrigado. Abraço.

    ResponderEliminar
  3. Manuela,

    Também eu vejo tão claramente a expressão de Raul Solnado neste texto... é impressionante como a arte, com talento e significado, nos marca, não é?... tenho que confessar que apenas conheci o trabalho de Raul Solnado na televisão e no personagem extraordinário que protagonizou no filme "A Balada da Praia dos Cães" (que, segundo ouvi há pouco, Baptista-Bastos considerou melhor que o livro). Os bons merecem a nossa homenagem, cumprindo também assim mais um bom trabalho: o de reforçarem a nossa solidariedade. Obrigado. Um abraço.

    ResponderEliminar
  4. Belo testemunho, Ana Paula. O Solnado iria amar as tuas recordações, estas palavras.

    ResponderEliminar
  5. Comoventes e generosas as tuas palavras, Valupi... Obrigado!... fico feliz por saber o que me dizes... um grande, grande abraço.

    ResponderEliminar